Trabalhadores escravizados

Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da escravatura no Brasil, 17 de maio de 1888, Campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro. William John Burchell / Highcliffe Album / Acervo Instituto Moreira Salles

Os trabalhadores no Brasil colonial e imperial eram majoritariamente cativos: indígenas, africanos e afrodescendentes escravizados. O trabalho escravo disseminou-se entre todas as camadas sociais à medida que as cidades cresceram, no final do século XVIII e ao longo do XIX, alcançando o seu apogeu na década de 1850. Neste momento, o trabalhador urbano básico era o escravizado. Até o final do século XIX, por exemplo, não havia serviço de esgoto nem água encanada nas cidades. Eram os escravos que jogavam os dejetos ao mar, buscavam água nas fontes públicas e realizavam as compras diariamente.

Embora a preferência do tráfico tenha sido por escravos homens, havia também mulheres, que trabalhavam na lavoura, como mucamas, amas-de-leite, costureiras e realizavam todo o serviço doméstico. A grande quantidade de anúncios pedindo ou oferecendo o aluguel de escravas evidencia sua importância. O preço era negociado de acordo com as qualidades pessoais (ser jovem, asseada, bonita) e as habilidades (cozinhar bem, costurar, lavar, passar e engomar). Para as amas-de-leite, o trabalho implicava, com frequência, deixar seus próprios filhos de lado para amamentar crianças alheias.

Nas cidades, homens e mulheres escravizados integravam-se à vida cultural mais ampla e teciam redes de relações sociais e comerciais com indivíduos libertos e livres, circulando inclusive entre proprietários. Escravos e libertos trabalhavam como barqueiros, pescadores e marinheiros; em pequenas fábricas e nas obras de estradas e construções; eram artesãos — marceneiros, carpinteiros, pedreiros, ourives, tecelões, sapateiros, padeiros; atuavam em matadouros; eram ainda empregados pela municipalidade como varredores de rua, acendedores de lampiões, bombeiros e capturadores e matadores de animais com raiva.

Crioulo fugido desde o dia 18 de outubro de 1854, de nome Fortunato: RS 50U000 de Alviçaras.
Acervo Fundação Biblioteca Nacional​

Quitandeiras e carregadores eram figuras onipresentes, sobretudo nas cidades portuárias, emitindo cânticos ritmados para acompanhar o trabalho coletivo. Os barbeiros-cirurgiões, além de cortarem cabelos e barbas, realizavam procedimentos médicos como sangrias e extrações de dentes. Os curandeiros aliviavam as aflições físicas e espirituais de gente de todos os segmentos sociais. Em meados do século XIX, as ruas das maiores cidades estavam repletas de trabalhadores de línguas, culturas e condições socioeconômicas diversas.

Lutas e protestos: a "greve" na Fazenda São Caetano

Congada. Foto: Arsenio da Silva, ca. 1860. Acervo Fundação Biblioteca Nacional

Os africanos que chegaram no Brasil e seus descendentes travaram diversas formas de luta contra a escravidão: fugiam, matavam os feitores e proprietários, aquilombavam-se e até mesmo se suicidavam. Não por acaso, o maior símbolo da luta dos negros escravizados no Brasil é Zumbi, líder do quilombo dos Palmares, que resistiu durante décadas, no século XVII, em Alagoas.

Lutavam também por melhores condições de trabalho e de vida dentro da escravidão, em relação à alimentação, moradia e à ampliação de seus espaços de autonomia, como as pequenas porções de terra para a subsistência e a venda de excedentes e a possibilidade de manter-se junto aos seus. Não raro, interromperam as atividades exigindo o cumprimento de reivindicações, em processos de negociação coletiva que se assemelhavam ao que depois seria chamado de greve.

Isso ocorreu também no ABC. Em meados do século XIX, os escravos compunham um quarto da população de São Caetano e São Bernardo, onde havia fazendas escravistas administradas por monges da Ordem de São Bento. Como em outras propriedades, os escravos usavam o tempo livre arduamente negociado com seus senhores para trabalhar em pedaços de terra cedidos para sua subsistência ou para a venda local e constituíam famílias nucleares e extensas por meio de relações de parentesco e compadrio.

Em 1862, diante da concorrência e do baixo preço de seus tijolos e telhas, os beneditinos intensificaram a exploração do trabalho para aumentar a produtividade. Em resposta, os escravos da olaria da Fazenda São Caetano recusaram-se a trabalhar, não aceitando retrocessos nas suas conquistas.

Autoras do texto original do projeto preliminar:

Fabiane Popinigis
Cristiana Schettini