Dos anos rebeldes à abertura política

O 1968 operário

1968 foi um ano de contestações. A Primavera de Praga, os protestos contra a Guerra do Vietnã, a rebelião universitária e as greves francesas no mês de maio são apenas alguns dos acontecimentos que abalaram o mundo naquele ano. O Brasil também vivenciou intensas movimentações, tanto no meio estudantil, como no meio operário.

A principal mobilização dos trabalhadores fabris ocorreu em São Bernardo do Campo, em 24 de maio de 1968. Era o início da chamada “greve branca”, na qual mais de 6 mil trabalhadores cruzaram os braços e permaneceram no interior da fábrica, protestando contra o reajuste salarial abaixo do reivindicado. Em julho, seria a vez dos metalúrgicos de Osasco paralisarem seus serviços, organizados em torno de comissões de fábrica e do sindicato.

Policiais com caminhão Brucutu, na frente da indústria Lonaflex, em Osasco, monitoram o portão da empresa onde metalúrgicos grevistas fazem protesto,  mantendo colegas que não aderiram à greve trancados do lado de dentro da fábrica, 16 de julho de 1968. Arquivo/Estadão Conteúdo/AE​

A greve de Osasco teve início na Cobrasma – Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários, com a adesão de cerca de mil operários, que mantiveram engenheiros e chefes de serviço reféns, na tentativa de evitar a invasão da polícia. Mas a Delegacia Regional do Trabalho declarou a greve ilegal, o sindicato sofreu intervenção e a Polícia Militar desocupou as empresas, prendendo 30 grevistas.

Percebendo as mobilizações dos trabalhadores e a radicalização da oposição ao regime, a ditadura tornou-se ainda mais feroz. Em dezembro de 1968, com o AI-5, uma nova onda de intervenções e prisões se abateria sobre os trabalhadores. No entanto, ao longo dos anos 1970, eles emergiriam novamente na cena política, influenciando decisivamente os rumos da redemocratização do país.

Trabalhadores e movimentos sociais (1970)

Jornal "Luta de Classes". Edição de novembro de 1977. Ano II, Núm. 9. CEDEM/UNESP​

A década de 1970 viu florescer uma pluralidade de movimentos sociais e novas formas de organização popular, tanto na cidade, quanto no campo. As experiências das Comunidades Eclesiais de Base, dos grupos de jovens, de educação popular, entre outros, proporcionaram reflexões políticas e sociais sobre as condições de vida da população pobre. Militantes de organizações revolucionárias instalaram-se em bairros populares, a fim de conhecer de perto as dificuldades das camadas excluídas e “conscientizá-las” sobre a exploração empreendida pelas elites econômicas e políticas.

O movimento negro, o movimento gay, movimentos feministas, associações de moradores, entre outros, engajaram-se na luta contra a ditadura. Apesar da censura, os anos 1970 foram ainda a era dourada da imprensa alternativa e de oposição. Algumas publicações chegaram a ter grande circulação, como Pasquim, Opinião e Movimento. Tanto a imprensa militante, ligada a partidos e organizações de esquerda, quanto o jornalismo sindical, com a difusão de semanários e boletins, foram ativos no período.

Destaca-se igualmente a ação da Comissão Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica, junto às comunidades camponesas. A expansão do latifúndio expulsava os posseiros de suas terras, incentivando os trabalhadores rurais a aprimorarem sua organização, com sindicatos reunidos em torno da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag. Foi também no campo que ocorreu a Guerrilha do Araguaia, organizada pelo PCdoB, no atual estado de Tocantins, que vitimou um número ainda não calculado de camponeses e militantes.

Foi igualmente nesse período que a figura do ex-presidente Lula ganhou força, por conta de sua presença incansável nas mobilizações de trabalhadores e da motivação que insuflava no movimento sindical. Diante do crescimento dos movimentos populares, do surgimento de novas lideranças e do isolamento político do regime militar, a luta pela Anistia ganhou as ruas, em 1979, dando origem a comitês em várias cidades do país.

Depoimentos


 

Depoimento 1 – Maria Imaculada Conceição, operária da Metalúrgica Santo Antônio e secretária-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem:

“As linhas de trabalho político eram completamente diferentes. Tinham pessoas que achavam que era preciso fazer só trabalho de base, outros faziam o trabalho de base para se vincular a uma coisa mais avançada lá na frente. Mas uma coisa unificava: aquelas reivindicações eram comuns. Todo mundo estava contra a lei do arrocho, todo mundo estava contra o FGTS e acreditavam na importância das Cipas. Todo mundo era contra a ditadura. Aí não tinha divergência”. (CASTELLO BRANCO, 2008: s.p. ).​ Depoimento 2 – José Ibrahim, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco em 1968

“Era um objetivo e ao mesmo tempo era um sonho. No dia da greve, da ocupação, entrei na Cobrasma para fazer um discurso com a fábrica já ocupada. Era um mar de gente, uma emoção muito grande. Mas eu também pensava em outras coisas, queria saber se no dia seguinte a Brown Boveri, a Braseixos iam parar, se ia dar certo. O que podia acontecer? Logicamente, nessa noite eu não dormi. Se em função da repressão na Cobrasma, no primeiro dia, os outros recuassem, ia ser uma derrota. No dia seguinte, com a Cobrasma ocupada, os jornais diziam: ‘A greve acabou’, ‘600 pessoas presas dentro da Cobrasma’, ‘Sindicato sob intervenção’. [Mesmo assim] pararam a Brown Boveri, Braseixos e a Cimaf se mobilizou para parar também. Ganhamos. O pessoal não recuou.” (SINDMETAL, 2008: p.5).

 

Os acidentes de trabalho no “Milagre Econômico” brasileiro

Na década de 1970, o Brasil recebeu da Organização Internacional do Trabalho – OIT o título de “campeão mundial” de acidentes de trabalho. Quase 15% dos trabalhadores brasileiros sofreram acidentes profissionais em 1969 e 20%, em 1973. Durante o chamado “Milagre Econômico” (1969-73), o número de ocorrências cresceu em níveis galopantes. O ápice se deu em 1975, com quase dois milhões de casos. Horas extras excessivas, ritmo de trabalho intenso demais, falta de equipamentos de segurança são alguns dos fatores que explicam o quadro. Mesmo as construções empreendidas pelo governo, como a Transamazônica, a ponte Rio-Niterói e a Usina de Itaipu deixaram um saldo considerável de mortes e acidentes graves.

Para reagir aos índices alarmantes e responder à pressão social diante das mortes e sequelas, o governo criou medidas para reduzir os riscos e obrigar as empresas a criarem programas de saúde e segurança no trabalho. Neste contexto, destacam-se as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPAs, que, paralelamente ao Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho – DIESAT, contribuiu para a fiscalização da segurança no trabalho e para uma legislação mais rígida e atenta nessa matéria.

Autor do texto original do projeto:

Paulo Fontes