As indústrias metalúrgica e automobilística

Processo produtivo de Indústrias Metalúrgicas, Fundação Getulio Vargas, CPDOC

O primeiro automóvel chegou ao Brasil pelo Porto de Santos, provavelmente em 1891. Acredita-se que Santos Dumont tenha trazido da França para São Paulo um dos quatro primeiros carros produzidos pela Peugeot, com carroceria aberta e um pequeno motor V2 que atingia a velocidade de 18 km/h. Em seguida, veículos estrangeiros começaram a ser montados no país, em escala reduzida.

Linha de montagem da fábrica Willys Overland do Brasil. São Bernardo do Campo, 1960. Folhapress

A montagem de carros no Brasil começou em São Paulo, com peças importadas. A Ford se instalou no Bom Retiro, em 1919, e a General Motors seis anos depois, no Ipiranga. Em 1930, foi inaugurada a General Motors de São Caetano, a fábrica de automóveis em atividade há mais tempo no Brasil.

Tanto no período entreguerras, como logo após a Segunda Guerra Mundial, a economia dos países europeus ficou estagnada, o que levou ao florescimento da indústria local. Outros elementos determinantes para o crescimento do segmento metalúrgico e automotivo no Brasil foram os investimentos em infra-estrutura e na produção de aço capitaneados pelo presidente Getúlio Vargas.

Matéria na Revista O Cruzeiro: "Automóveis para o Brasil: Salto Gigantesco da Volkswagen, colaborando nas metas do Presidente JK - 150 veículos diários e 7 mil funcionários em 1960." 9 de janeiro de 1960. Acervo Fundação Biblioteca Nacional​

Os anos 1950 assistiram a uma verdadeira revolução automotiva. A fabricação de automóveis foi um dos alicerces do governo de Juscelino Kubitschek. “Dois fatores foram vitais para a implantação de nossa indústria automobilística. Um foi a Companhia Siderúrgica Nacional, inaugurada em Volta Redonda (RJ) em 1946 para alavancar a siderurgia brasileira, e o outro foi a Petrobras, que a partir de 1953 aumentaria gradualmente a autonomia nacional na produção de petróleo e derivados” (PEREIRA, 2016: s.p.).

Adicionalmente, em 1947 foi inaugurado o primeiro trecho da Via Anchieta, e, em 1953, seu último trecho. A nova estrada representou um grande avanço na ligação entre a capital, o ABC e o litoral e contribuiu para deslocar o eixo industrial das montadoras de automóveis para São Bernardo do Campo. Esta obra de engenharia causou, na época, espanto e admiração: a Anchieta possui cinco túneis atravessando montanhas, mais de 50 viadutos construídos sobre os vales da Serra do Mar, seu canteiro mobilizou cerca de 2 mil trabalhadores – porém, custou a vida de uma centena deles. Foi também um marco nas políticas de transporte no país, que passaram a priorizar o transporte rodoviário em detrimento do ferroviário.

Em 1951 e 1952, o governo brasileiro adotou uma série de medidas para estimular o setor automobilístico. Foi nesse cenário que a Volkswagen chegou ao país, em 1953. Dois anos depois, inaugurou seu prédio próprio no km 23,5 da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo. Paralelamente, formou-se uma base industrial de pequenos e médios fornecedores de autopeças.

Processo produtivo de Indústrias Metalúrgicas, Fundação Getulio Vargas, CPDOC​

Inicialmente, os operários eram pessoas sem experiência, nem formação, imigrantes italianos, alemães, espanhóis, japoneses e migrantes vindos de diversas partes do Brasil em busca de novas oportunidades, que aprendiam o trabalho na prática. Entretanto, com a criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, em 1946, teve início a especialização dessa força de trabalho.

Tendo fundado o Sindicato dos Metalúrgicos em 1933, os trabalhadores desse segmento participaram de disputas históricas por melhores condições de trabalho e remuneração e foram também protagonistas do processo de redemocratização do Brasil no século XX.

Até a metade dos anos 1970, as montadoras situadas no Grande ABC produziam quase todos os veículos fabricados no Brasil. Para além da relevância da cadeia automotiva no país, o automóvel e a metalurgia conformam, em grande medida, a identidade do ABC até os dias atuais.

Processo de produção

Processo produtivo de Indústrias Metalúrgicas. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo​

A produção de um automóvel envolve numerosos processos e sofreu grandes transformações desde o seu início. A produção concentrada na mesma fábrica passou a se dispersar por várias empresas (de autopeças, por exemplo) e por outras fábricas da mesma montadora, não só no Brasil.

Robôs vêm sendo utilizados cada vez mais em diversas etapas da produção. Entretanto, se por um lado a automação tem melhorado determinadas condições de trabalho, ao afastar o trabalhador de locais insalubres, por outro vem reduzindo o número de trabalhadores necessários na fábrica.

No momento presente, estão emergindo mudanças desencadeadas pela nanotecnologia e pela biotecnologia. O próprio produto automóvel poderá sofrer alterações significativas nas próximas décadas, em virtude de preocupações ecológicas. Por exemplo, produtores estudam viabilizar o carro totalmente elétrico no futuro.

Linha de montagem do Ford KA na Ford Company do Brasil, em São Bernardo do Campo. Devido as altas taxas de juros e a estagnação financeira do país, as montadoras brasileiras, em sua maioria no grande ABC Paulista, devem entrar em férias coletivas até o fim deste mês. São Bernardo do Campo, SP. 10 de junho de 2003. Robson Fernandjes/Estadão Conteúdo/AE​

Filmes e vídeos sugeridos para aprofundar o assunto

“Eles não usam black tie”, de Leon Hirszman.
Produção brasileira de 1981, retrata o cotidiano operário, mais pelas condições de vida e de conflitos de classe do que abordando o interior da produção.
 
“Braços cruzados, máquinas paradas”, de Sérgio Gervitz e Roberto Toledo.
Produção brasileira de 1978, mostra as greves metalúrgicas e os conflitos nas fábricas.
 
“A nós a liberdade”, de René Clair.
Produção francesa de 1931, na qual, anos antes do filme “Tempos modernos”, de Charlie Chaplin, já era apresentada a linha de montagem (de gramofones), comparada a uma prisão.
 
“Tempos modernos”, de Charlie Chaplin.
Produção norte-americana de 1936, que parece inspirada em “A nós a liberdade” (ver acima). Uma fabulosa sátira da produção em massa, do taylorismo e da mecanização do trabalho.
 
“Jonas que terá 25 anos no ano 2000”, de Alan Tanner.
Produção franco-suíça de 1976, que se passa nas revoltas operárias na França de 1968. Num trecho do filme, aparece uma pichação, ao lado da porta de entrada de uma fábrica: “Aqui termina a liberdade”.
 
“A classe operária vaia o paraíso”, de Elio Petri.
Produção italiana de 1971 que retrata um operário “padrão”, alheio às movimentações da época.
 
“Mimi, o Metalúrgico”, de Lina Wertmüller.
Nesta produção italiana de 1972, faz-se uma abordagem mais das condições de classe do que de produção; é um bom exemplo do clima pós-1968.

Autores dos textos originais do projeto

Luis Paulo Bresciani
Mario Sergio Salerno

Vídeo - Metalurgicos 

 

Três modelos de produção industrial: taylorismo, fordismo e toyotismo

Taylorismo

As antigas fábricas que prosperaram no século XIX reuniam as pessoas para produzirem de acordo com a lógica de mestres e aprendizes. As jornadas diárias chegavam a 16 horas e havia grande presença de mulheres e crianças. O maior exemplo dessa primeira fase da industrialização foi a indústria têxtil e o seu grande símbolo, o tear mecânico.
 
Com a chamada Segunda Revolução Industrial, a partir do final do século XIX e começo do XX, as fábricas se tornaram maiores e mais complexas. Surgiram as grandes indústrias do setor químico, petroquímico, siderúrgico, automobilístico e bélico, sendo a produção de armas impulsionada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A linha de montagem, o torno mecânico e o automóvel são os símbolos desse segundo grande impulso da industrialização.
 
O desafio era ir além do modo de trabalho artesanal, típico da Primeira Revolução Industrial. A referência fundamental da nova organização do trabalho foi Frederick Winslow Taylor. Ele propôs um paradigma que se tornou conhecido mundialmente como taylorismo, focado no aumento da eficiência por meio do planejamento e do controle rígidos do trabalho e da produção.
 
A visão de conjunto e o cuidado com cada peça única, típicos do trabalho artesanal, deram espaço a movimentos fragmentados, otimizados, especializados e repetidos à exaustão.
 

O método de Taylor considerava:

• seleção científica do trabalhador, delegando-se aos trabalhadores as tarefas mais compatíveis com suas aptidões;
• tempos -padrão: parâmetros mínimos de tempo de produção que o trabalhador tinha que atingir;
• incentivo salarial: recompensas e punições financeiras ao trabalhador em função de sua produtividade;
• distinção entre trabalho intelectual e braçal: gerentes planejam e operários executam;
• divisão do trabalho: quanto mais dividida a tarefa, mais simples de ser executada;
• supervisão: função específica criada para o controle;
• eficiência: busca-se executar cada tarefa do melhor jeito possível.
 
Como se nota, o modelo justificava a hierarquia e o exercício do poder. Sujeitava-se em nome da produtividade, o que se expressava de forma autoritária e às vezes violenta pela gerência da produção – porém, essas práticas eram mascaradas de ciência da administração.
 

Fordismo

A expressão "produção fordista" foi difundida a partir das práticas adotadas pelo norte-americano Henry Ford (1863-1947), que fundou a Ford Motor Company, em 1914. Ford fez uso das técnicas sugeridas por Taylor, que foi seu consultor. A introdução da linha de montagem, na qual cada funcionário realizava apenas uma atividade, aprofundou e radicalizou a especialização do trabalho taylorista. Com a linha de montagem, Ford superou o modelo artesanal, em que os carros eram construídos e as peças ajustadas em cima de cavaletes fixos. Agora, os carros passaram a se mover por meio de esteiras e as peças passaram a ser ajustadas com os operários fixos nos seus postos de trabalho. Isso diminuiu os custos de produção, reduzindo os desperdícios e aumentando a eficiência.
 
Porém, em pouco tempo, Henry Ford se deu conta de que os custos fixos de produção eram grandes. Seu sistema de produção em massa requeria tambémum consumo em massa. O automóvel não podia mais ser um produto de luxo para poucos abastados. Para estimular o consumo, que percebeu ser fundamental para o sucesso de seu negócio, Ford introduziu a remuneração de "Cinco dólares por dia", três vezes superior à média do período.
 
A melhor remuneração oferecida por Ford tinha como segundo objetivo combater as faltas e a alta rotatividade dos trabalhadores, que sofriam com o trabalho repetitivo e desgastante, o controle rígido sobre o ritmo e a disciplina do trabalho e chefias que às vezes recorriam à violência.
 
As primeiras gerações de operários eram oriundas do campo. A esses, vieram somar-se os imigrantes europeus, irlandeses, escoceses, poloneses, judeus, italianos, alemães etc., que fugiam da pobreza da Europa depois da Primeira Guerra. O trabalho na Ford era tão simplificado e repetitivo que nem era preciso falar inglês...
 

O fordismo aprofunda a concepção taylorista, pautando-se pelos seguintes princípios:

• os defeitos deveriam ser identificados no final da linha de produção, para não interromper o processo;
• a empresa fabricava a maioria das peças que compunham o seu produto;
• a manutenção de grandes estoques de peças era vista como garantia da manutenção da produção;
• o operário-padrão era aquele que melhor obedecia às orientações dos superiores e se preocupava apenas com as tarefas imediatas;
• a empresa executava os projetos feitos por seus próprios engenheiros.
 
Apesar de a imensa maioria dos operários da fábrica fordista não necessitar de qualificação profissional, graças à enorme divisão do trabalho e à especialização de tarefas, era preciso que ao menos alguns fossem capazes de produzir ferramentas para as máquinas, estampos para as prensas, que interpretassem os desenhos da engenharia etc. Portanto, mesmo a enorme fábrica fordista, com seu exército de trabalhadores sem qualificação, dependia de um grupo pequeno, mas importante de trabalhadores qualificados.
 
Com a expansão da industrialização nos anos 1940 e 1950, foram abertas escolas técnicas de qualificação profissional para formar ferramenteiros, torneiros mecânicos, controladores de qualidade, entre outros. No Brasil, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI,em 1942, teve esse propósito.
 

Toyotismo

Com o fim da prosperidade na economia mundial, que caracterizara os 30 “anos dourados” do pós-guerra (1945-1975), a produção em massa e os seus pressupostos começaram a ser questionados. A diminuição do consumo levou a uma maior competitividade entre as empresas e à busca frenética pela diminuição de custos.

A partir da segunda metade dos anos 1970, difundiram-se, então, novas formas de organização da produção. A fábrica verticalizada deu lugar a uma fábrica mais horizontalizada, que transfere parte de sua produção para outras empresas menores. Dessa forma, a empresa diminui seus custos fixos de produção, transferindo-os para fornecedores que, por sua vez, são obrigados a cumprir uma série de normas, principalmente em relação a prazos de entrega e à qualidade dos produtos fornecidos.

Os primeiros ensaios do novo paradigma aconteceram no Japão, por iniciativa do engenheiro Taiichi Ohno. O seu método foi aplicado, inicialmente, na fábrica da Toyota, de onde se originou a expressão "toyotismo". Com a explosão dos preços do petróleo e o forte endividamento dos Estados Unidos, no começo dos anos 1970, o modelo da Toyota (Toyota Production System - TPS), enxuto e adaptável a diferentes cenários, passou a ser estudado e introduzido em todo o mundo, sendo constantemente aprimorado a partir do desenvolvimento de novas tecnologias.

Um dos exemplos mais conhecidos de incorporação do Sistema Toyota de Produção em outro país é o projeto New United Motor Manufacturing Inc. – NUMMI, uma joint-venture entre a General Motors e a Toyota iniciada em 1984, na planta de Fremont, na Califórnia, que se tornou, em poucos mais de dois anos, a planta mais produtiva da GM nos EUA. Uma das primeiras iniciativas foi enviar 450 líderes de produção para passarem três semanas numa das plantas da Toyota no Japão, para depois atuarem como multiplicadores do "método Toyota" nos EUA.

 As principais características do toyotismo são:

• trabalhadores mais qualificados do que no fordismo, treinados para conhecer todo o processo de produção e não apenas desempenhar uma tarefa específica;
• produção em massa, porém sem excedentes e flexível, considerando as demandas de mercado em cada momento;
• busca de “qualidade total”: ao perceber uma inconsistência, o trabalhador sinaliza para a linha de produção, esta é interrompida e todo o processo é revisto até se identificar a causa. Somente depois de identificada a causa a linha volta a funcionar. Assim se evita o retrabalho.
• just in time: produz-se somente o necessário, no tempo necessário e na quantidade necessária.
• uso de pesquisa de mercado: os produtos são desenvolvidos de acordo com os desejos dos consumidores.

No toyotismo, o conhecimento do trabalhador passa a ser objeto do desejo das novas gerências. Técnicas comportamentais são aplicadas buscando convencer os trabalhadores a serem parceiros das empresas, que passam a nomeá-los como "colaboradores". Os trabalhadores são estimulados a dar sugestões para melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos, compartilhando os conhecimentos adquiridos no posto de trabalho. Outra forma de comprometer os trabalhadores com os objetivos da empresa é a remuneração variável, que vincula ganhos extras ao cumprimento de metas de produção e de qualidade, como no caso da Participação nos Lucros e Resultados – PLR.

Autor do texto original do projeto:

Mauro Zilbovicius