Caminho do Tropeiro

Mapa da costa desde a ilha de São Sebastião até a Barra Grande de Santos. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. Acervo Fundação Biblioteca Nacional

Para chegar ao litoral, os paulistas utilizavam o chamado Caminho do Mar, um conjunto de trilhas que saíam de São Paulo de Piratininga rumo à Serra de Paranapiacaba, através do território que hoje compõe o ABCD. Sobre as trilhas que levavam a Santos foi construída a Calçada de Lorena, a primeira estrada calçada de São Paulo. A obra, que começou em 1790, marcou uma nova era na economia da capitania, que sofria até então com a falta de estradas para transportar os produtos dos engenhos do interior, como algodão, tabaco e açúcar. 

Jean Baptiste  Debret, Carvão, 1822, aquarela. Museus Castro Maya/IBRAM/MINC. Fotógrafo: Jaime Acioli

Em vez dos lombos dos índios e das precárias e lamacentas trilhas, o calçamento permitia usar a tração animal e, além disso, as cangalhas no lombo das mulas transportavam muito mais mercadorias, mesmo que para isso fosse preciso contratar tropeiros. Criaram-se, assim, novas relações de trabalho, novos tipos de serviços e novos laços sociais, entre as pessoas que eram contratadas para construir e manter as estradas e ranchos, os tropeiros e seus ajudantes, e os que trabalhavam nos pequenos entrepostos ao longo da estrada. Por essa estrada chegavam também os escravos africanos, cada vez mais demandados nos engenhos e arraiais do interior. 

Jean Baptiste Debret, Tropeiros pobres de São Paulo , 1823, aquarela. Museus Castro Maya/IBRAM/MINC. Fotógrafo: Horst Merkel

Faltava, porém, mão-de-obra especializada para o novo sistema de transporte. O projeto da estrada foi feito por engenheiros militares da corte portuguesa, mas, para sua construção, foi necessário contratar jornaes, isto é, trabalhadores livres pagos por dia, recrutados entre as camadas mais pobres e marginalizadas: escravos e presos fugidos, desocupados, mendigos, bêbados, etc. Podiam ser brancos, mulatos, mamelucos, índios ou portugueses. O trabalho era árduo: subir a serra com as pedras, cavar, assentá-las, construir os muros de arrimo, passarelas e pontes – tudo isso com poucas ferramentas, muito trabalho braçal e nenhuma segurança. 

Jean Baptiste Debret (atribuído a), Mineiros Halting [Pobres tropeiros de Minas], c. 1825-26, aquarela sobre papel. Jean Baptiste Debret (atribuído a) / Highcliffe Album / Acervo Instituto Moreira Salles

Os ranchos para o pouso e abastecimento das tropas ao longo da estrada foram se transformando em vilas, com seus pequenos comércios, como Cubatão e São Bernardo do Campo. No Sul e Sudeste do país, os tropeiros, inicialmente chamados de “homens do caminho”, “tratantes” ou “viandantes”, tornaram-se fundamentais no comércio de escravos, alimentos e ferramentas. 

William John Burchell, Cubatão: pouso de tropeiros,  c. 1825-26, grafite e aquarela sobre papel. Jean Baptiste Debret (atribuído a) / Highcliffe Album / Acervo Instituto Moreira Salles

William John Burchell, San Bernardo (between Cubatão and São Paulo) [ São Bernardo entre Cubatão e São Paulo], c.1825-1826, grafite e aquarela sobre papel. Jean Baptiste Debret (atribuído a) / Highcliffe Album / Acervo Instituto Moreira Salles

 

Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras, por onde se sobe com pouca fadiga, e se desce com segurança. Evitou-se a aspereza do caminho com engenhosos rodeios, e com muros fabricados juntos aos despenhadeiros se desvaneceu a contingência de algum precipício. Por meio de canais, se preveniu o estrago que costumavam fazer as enxurradas; e foram abatidas as árvores que impediam o ingresso do sol, para se conservar a estrada sempre enxuta, na qual em consequência destes benefícios já se não vêem atoleiros, não há lama, e se acabaram aqueles degraus terríveis.― Carta de Frei Gaspar da Madre de Deus a Bernardo de Lorena, datada de 6/3/1792

 

Vista da Calçada de Lorena, 19 de outubro de 2002, Santos. Cássio Aoqui/Folhapress

 

Logo que V.M. receber esta, faça aprontar (...) 25 homens de trabalho, robustos e capazes, e os mande conduzir para um oficial a esta cidade(...), para entrarem na factura do caminho(...) e lhes assegure que logo aqui hão de receber uma camisa, uma siroula, um sortum, um chapéu e dois casacos de baeta, e hão de ir municiados de todo o sustento necessário, e de pólvora e chumbo preciso para gasto no caminho.― Carta do governador de São Paulo, datada final do século XVIII

 

Autores dos textos originais do projeto

Cristiana Barreto
Denise Mendes