Caminho da Rodovia
Via Anchieta, déc. 1950. Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo
A Via Anchieta, inaugurada em 1947, foi a primeira estrada a ligar a baixada santista ao planalto paulista, com traçado especialmente planejado para o uso de automóveis, ônibus e caminhões.
Além de ter superado o desafio de transpor a íngrime Serra do Mar, ela foi considerada, na época, a mais bela estrada do Brasil. As famosas “curvas da estrada de Santos”, seus altos viadutos e longos túneis representavam o mais avançado domínio da engenharia.
Trânsito na descida da Via Anchieta, que faz a ligação entre a capital paulista e a Baixada Santista, 5 de março de 1965, São Paulo, Brasil. Arquivo/Estadão Conteúdo/AE
A Anchieta se tornou, ao longo dos anos 1950, um vetor importante de organização do polo industrial de São Paulo, com várias fábricas instaladas às suas margens. Na história do ABC, isso representou a formação de grandes núcleos urbanos a partir das vilas operárias. O parque automobilístico ali instalado foi um fator decisivo para o desenvolvimento de São Bernardo do Campo, cuja população passou de 60 mil habitantes, em 1960, a 740 mil, em 2000.
Os trabalhadores eram, em alguns casos, arregimentados nas vilas e povoados próximos ao traçado, para trabalhar na obra em troca de pagamento diário. Ou recrutavam-se forçadamente trabalhadores desocupados nas fazendas da região. Nordestinos e mineiros fugindo da seca e da pobreza em busca de uma vida melhor no Sul e Sudeste compunham a maioria dos que trabalhavam na Via Anchieta. Seus salários eram inferiores aos dos ferroviários e estivadores e eles moravam em acampamentos precários, com alto índice de acidentes e doenças. Tanto o despreparo técnico, como a alta rotatividade impediam a organização dos trabalhadores em torno de reivindicações por melhores condições.
A Via Anchieta também mudou hábitos da classe média paulistana, que agora podia passar o fim de semana na praia, impulsionando o turismo de veraneio e a construção civil na baixada santista. Em 1957, mais de dois milhões de carros passaram pela Via Anchieta.
Vista parcial de trecho da Via Anchieta em obras, no município de São Bernardo do Campo, em São Paulo, 18 de fevereiro de 1972. Arquivo/Estadão Conteúdo/AE
Apesar da duplicação, em 1953, o aumento da frota de automóveis e caminhões causava grandes problemas de tráfego, além dos constantes deslizamentos, nevoeiros e quedas de barreiras. Os mesmos trabalhadores que sofriam com os acidentes, ao chegar e sair do trabalho, passavam seus dias a fabricar os automóveis que ameaçavam sua segurança, em fábricas instaladas às margens da rodovia...
Depoimento
Oresto Barbosa de Sousa, baiano e morador de Cubatão, conta sobre sua experiência na construção da estrada:
“Meus irmãos saíram da Bahia em 1940 para trabalhar em Santos, cidade famosa no Nordeste por ter um porto enorme, com muito dinheiro para os que trabalhavam bastante. Soube que na antiga CDS não tinha vaga para meus parentes. Por isso, um diretor das docas levou meus irmãos para o DER. Afinal iria acontecer a construção de uma estrada muito importante. Eles se deram bem na Anchieta, por isso desisti de tentar o cais e fui para a estrada, no meio do nada, na Serra do Mar. (...) Lá a gente enfrentava duas guerras. Era uma na Europa e outra na Anchieta, porque nosso esforço era descomunal. Os túneis foram abertos sem máquinas, na base da marretada mesmo. Teve um dia que machuquei feio minha mão, foi dolorido”.
Publicado no jornal eletrônico Porto Gente, em abril de 2007, disponível em:https://portogente.com.br/noticias/noticias-do-dia/11168-operario-de-89-anos-relembra-construcao-da-via-anchieta. Acesso em 15/12/2016.
Publicidade Good Year na Revista O Cruzeiro: "Mais de 5.000 veículos transportando milhares de passageiros e de toneladas de carga, trafegam diariamente numa das MAIS MODERNAS RODOVIAS DO MUNDO!", fevereiro de1953.
Depoimento
Augusto Toldo, filho do engenheiro Ettore Toldo, que residiu em um acampamento de casas de madeira do DER, de 1939 a 1947, narra os desafios de viver no meio da Serra do Mar:
“A Serra do Mar tem o solo muito úmido. As escoras, feitas de madeira, pregos e parafusos, quando caiam, furavam todo o corpo do operário. Minha mãe trazia lençóis, improvisava curativos, até que levassem a pessoa ao posto médico em Cubatão. Eram ao menos quatro horas de caminhada” (…) “Morreram muitas pessoas, como em todas as grandes obras da época. Também tinham os burros, que transportavam a terra que era retirada de dentro dos túneis e que algumas vezes desciam a serra e simplesmente desapareciam”.
Publicado no jornal eletrônico Diário Regional, em 21.04.2013, disponível em: http://www.diarioregional.com.br/2013/04/21/rodovia-anchieta-66-anos-de-historia/. Acesso em 15.12.2016.
Autores dos textos originais do projeto:
Viviane Alves de Morais
Cristiana Barreto